sábado, 1 de outubro de 2016

Amoras




Amoras

Penso que quando atendo um paciente que chega na clínica é como se eu estivesse a abrir um novo livro de descobertas, que aprendo muito. 
Hoje trago um pequeno relato que aborda sobre uma experiência de uma sessão, onde o paciente trazia recordações do passado e este tinha grande dificuldade em perceber que as situações passadas não retornam como almejava por vezes. Fato este que o impossibilitava de muitas relações tanto no sentido social como afetivo. Desta maneira este texto “Omeletes de Amoras” contribuiu muito neste processo, pois o entendimento sobre situações do passado foram repensadas e analisadas em conjunto, modificando o comportamento de ambos (meu e do paciente), pois como escrevi acima, sempre aprendemos algo quando temos a oportunidade de ler as linhas e as entrelinhas dos “livros humanos” que somos presenteados. Fica a dica e segue o texto abaixo.
Claudiane Quaglia
01/10/2016
Omelete de Amoras
Walter Benjamin

Era uma vez um rei que chamava de seus todo poder e todos os tesouros da Terra, mas apesar disso não se sentia feliz, e a cada ano se tornava mais melancólico. Então, um dia, mandou chamar seu cozinheiro predileto e lhe disse:
“Por muito tempo tens trabalhado para mim com fidelidade e me tens servido à mesa as mais esplêndidas iguarias, de modo que te sou agradecido. Porém, desejo agora uma última prova do teu talento. Deves me fazer uma omelete de amoras igual àquela que saboreei há 50 anos, em minha mais tenra infância. Naquela época meu pai travava guerra contra seu perverso inimigo a oriente. Este acabou vencendo, e tivemos de fugir. E fugimos, pois, noite e dia, meu pai e eu, através de uma floresta escura, onde afinal acabamos nos perdendo. Nela vagamos e estávamos quase a morrer de fome e fadiga, quando, por fim, topamos com uma choupana. Aí morava uma velhinha que amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria, porém, ido se ocupar do fogão. Não muito tempo depois estava à nossa frente a omelete de amoras! Mal tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me maravilhosamente consolado, e uma nova esperança entrou em meu coração. Naqueles dias eu era muito criança e por muito tempo não tornei a pensar no benefício daquela comida deliciosa. Já era rei quando mais tarde mandei procurá-la. Vasculhei todo o reino. Não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Agora quero que atendas este meu último desejo: faze-me aquela mesma omelete de amoras! Se o cumprires, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, deverás morrer.”
Então o cozinheiro disse:
“Majestade, podeis chamar logo o carrasco. Conheço, é verdade, o segredo da omelete de amoras e todos os seus ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre tomilho. Sei empregar todos os condimentos. Sem dúvida, há também o verso mágico que se deve recitar ao bater os ovos, e sei que o batedor de madeira de buxo deve ser sempre girado num só sentido. Contudo, ó rei, terei de morrer! Minha omelete não vos agradará ao paladar. Jamais será igual àquela que vos veio pelas mãos da velhinha. Pois como haveria eu de temperar a coisa com aquilo tudo que nela desfrutastes e que vos deixou, senhor, a impressão inesquecível? Faltará o perigo da batalha e o seu picante sabor, a proximidade do pai na floresta desorientadora, a emoção e a vigilância do fugitivo perdido. Não será omelete comida com o sentido alerta do perseguido. Não terá o descanso no abrigo estranho e o calor do fogo amigo, a doçura da inesperada hospitalidade de uma velha. Não terá o sabor do presente incomum e do futuro incerto.”


Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, calou-se um momento e não muito depois consta haver dispensado dos serviços reais o cozinheiro, rico e carregado de presentes.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Ideais de Mim ....






Resultado de imagem para imagens psicologia

Ideais de Mim ....


Quem sou eu, quem és tu, quem somos afinal? 
Que tipo de ser humano observo ao me admirar no espelho?
Será que vejo uma pessoa interessante, talentosa, de bom caráter, profissional, impar? 
Será que vejo uma pessoa sortuda, azarada, preguiçosa, batalhadora, honesta, esperta, feliz?
Quem afinal pensamos que somos?
Quando assisti ao filme “Tratamento de Choque” de Peter Segal (2003), esta indagação veio em uma cena e me assolou por tempos. Quem sou eu afinal?
Logo vieram respostas teleológicas e até metalistas, respostas que não levam a lugar algum, respostas em que acreditei por tempos, em determinados momentos de alienação. 
Penso que por longos períodos de nossa existência acreditamos que somos aquilo que os outros nos dizem que somos e infelizmente esta crença se perdura, até o momento que percebemos que isso e mais uma das grandes falácias da vida, ou melhor, dizendo o grande engodo que adentramos para conseguir suportar o que vivemos.   
Respostas como: sou honesta, sou inteligente entre outras, estas são somente artigos de perfumaria como diziam antigamente, pois estas advêm daquilo que os outros dizem sobre a gente, e não sobre o que eu penso de mim mesma.
Pensar sobre nós mesmos não e fácil. As melhores respostas sobre quem sou ou sobre quem somos costumam ficar mais para dentro de nós, bem guardadas em um lugar quase que secreto, que poderia aqui denominar de sótão a alma tendo uma visão utópica ou porão do desespero aos olhos mais negativos. 
Claro que neste sentido depende de cada um e do momento em que se vive, pois esta percepção de onde ficam nossos tesouros ou carcomas torna-se relativas. Uma vez escutei uma frase que pode dar esta dimensão da relatividade. “Um fio e cabelo pode ser pouco em uma cabeça, mas e muito em um prato de sopa”, ou seja, tudo e relativo. 
Mas retomando, penso que quando encontramos as verdadeiras respostas do que queremos, pois é nesta que se depositam os fatos, os sentimentos, as imagens e as recordações que queremos esquecer por vezes, mas sem sucesso, pois quando não as jogamos fora em determinados momentos da vida, estas tendem nos perturbar.  São estas visões de nós mesmos que precisamos conhecer, entender e ter coragem de reconhecer que existem, para, assim mudá-las de lugar ou livramo-nos delas de uma vez por todas.
De que adianta sermos bons ou dizer que somos os melhores, se, no fundo não acreditamos nisso?
Assim percebo que o “Ideal de Mim” , está dentro daquilo que me transformo e que me torna mais feliz a cada dia que se passa, ao acreditar na força que temos, reconhecendo estas e lutando contra nossas fraquezas é que poderemos ser verdadeiros não para o mundo, mas para nós mesmos.

Claudiane Quaglia
27/09/2016