quinta-feira, 16 de março de 2017

Casca de Pão


Casca de Pão


O pão pode ser considerado um dos alimentos que faz parte da história da humanidade. Em vários momentos o pão se fez presente, tendo o objetivo de alimentar ou de trazer à tona reflexões sobre partilha e egoísmo. Um alimento que traz consigo ensinamentos e força.
Este alimento faz parte do no nosso cotidiano. Em vários locais e culturas o pão está presente, apresentando-se de diferentes formas, sabores, aromas, cores e texturas, saciando a fome de quem está faminto.
Dificilmente percebemos que em objetos, instrumentos ou alimentos podemos aprender algo. Normalmente buscamos ensinamentos em livros, meios tecnológicos, ou até mesmo nas conversas com pessoas mais sábias. A vida nos ensina o tempo todo. Talvez o que não aprendemos é enxergar isso.
Especificamente o pão em sua forma topográfica é constituído de miolo e casca, sendo que na maioria das vezes a preferência se dá pelo miolo, pois é mais macio e saboroso, já que tem suas peculiaridades. Degustamos e sentimos o verdadeiro sabor do pão quando chegamos ao seu miolo.
Entretanto, este alimento também é constituído da sua casca. Aquela que o protege, que é aparente, passível de observações e julgamentos.
Por uma analogia como pão, podemos refletir com qual parte nos assemelhamos mais em alguns momentos da vida. Será que estamos mais parecidos com o miolo do pão? Saboroso, porém de difícil acesso e frágil. Ou será que temos similaridades com a casca do pão? A casaca demonstra força e rigidez, mas indica um fechamento constante.
Criamos uma casca em torno de nós mesmos. Assim, evitamos que as pessoas nos conheçam de verdade. Deixamos de mostrar aquilo que somos e aquilo que acreditamos.
A individualidade árdua nos persegue e decorrente deste processo parece que a casca do nosso pão só vai aumentando e protegendo-nos mais.
Muitos acreditam que o sofrimento e as decepções fazem parte da vida e que assim aprendemos a ser fortes. Como se, desta maneira, tornássemos resistentes e imunes ao sofrimento.
Demostrar nossos sentimentos não é algo fácil. Nem todos estão preparados para compreender, ou melhor dizer, para ter acesso ao miolo do nosso pão.
Porém, se nos acostumarmos somente com a casca, nem nós mesmos saberemos qual é o nosso verdadeiro sabor. Tornamo-nos rígidos, deixamos de conhecer aquilo que nos constitui, nossos gostos, desejos, prazeres e anseios. Desconhecemos a nossa essência.
Degustar um pão é algo prazeroso. A junção da casca com o miolo é que retém o verdadeiro sabor.
Assim, ao reconhecermos e aceitarmos que somos passíveis de diversos sentimentos, sejam eles benéficos ou não, podemos entender que estes “ingredientes” são necessários e fundamentais para sermos nós mesmos. Somente assim sentiremos o sabor de uma iguaria.
Como diz um trecho da música Dom de Iludir de Caetano Veloso “Cada um sabe a dor e a delícia. De ser o que é”.
Que esta premissa seja real em nossas vidas.

Claudiane Quaglia
Psicóloga e Pedagoga

CRP 06/134348 - 16/03/2017

Um comentário:

  1. Este texto procura situar o espaço no qual a identidade do sujeito se constitui. Que não é no espaço de um pensamento categorial mas sempre na na experiencia sensível a-temática das coisas deste mundo.
    A escolha da casca do pão é feliz, porque a degustação supõe necessarianente o miolo. Um lado visível e um lado invisível. A experiencia sensível das coisas deste mundo, aquém ou alem dos quadros racionalizadores, permite uma apreensão das coisas de outro modo, porventura próxima da experienciada pelo homem das sociedades arcaica, em que coisas não eram tanto vistas como ob-jectos, algo exterior em frente, mas como elementos de um quadro onde o ser humano se move, sentindo a pele das coisas e agindo ao mesmo tempo sobre o meio envolvente.
    Neste processo também se constrói em paralelo uma identidade de base sobretudo sensível e emocional do ser humano.
    Sendo assim, este texto vem na continuidade de uma compreensão do homem a partir do corpo no seu processo interaccional com o mundo, visão aberta na cultura por várias disciplinas de modo convergente, como a filosofia, a psicologia e a ecologia.
    A psicologia clínica poderá utilizar este quadro referencial para, mediante metodologias próprias, ajudar o ser humano, na pessoa dos utentes que ela recorrem, a aprender pela experiencia das coisas novas dimensões delas próprias, bem como fundar em bases sensíveis a sua identidade.
    Por esta razão, o conteúdo deste texto da doutora Claudiane é pertinente do ponto de vista teórico e fecundo na sua utilização prática da psicologia clínica.


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